7 de outubro de 2010

TEXTOS PARA ESTUDOS : DRA. ELINIZE GUEDES TEODORO

TEXTOS DA DRA. ELINIZE GUEDES TEODORO

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IDENTIDADE PROFISSIONAL

ESCOLHA PROFISSIONAL

DOCENTES NA ESCOLA DE APRENDIZES ARTIFICES DO PARÁ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA

Os Limites e Possibilidades da Educação Profissional no Ensino Técnico

Elinilze Guedes Teodoro


RESUMO: Esse artigo apresenta um estudo em torno do ensino técnico e as transformações produzidas nesse nível de ensino, pela reforma da educação profissional dos anos 90. É uma investigação no ambiente da formação técnica dos CEFETs e surge como instrumento à contextualização da instituição, objeto da pesquisa de dissertação do mestrado, que se volta para o público de alunos que executam o ensino técnico a fim de resgatar a origem, funcionamento, estrutura e conceitos que subsidiam tal nível de ensino nesta instituição específica. O estudo tomou como base a análise documental da legislação da Educação Profissional e referências acadêmicas na área de Educação e Trabalho, como meio de interpretar e analisar intenções e conceitos não muitas vezes manifestos. De onde se pode entender que as propostas legais pouco avançaram e os CEFETs ainda são marcados por uma forte base tecnicista e instrumental o que afeta não só sua história como o próprio ensino que ofertam, principalmente em função das noções de competência e qualificação que sustentam os documentos legais, que privilegia os atributos individuais dos trabalhadores em detrimento dos coletivos e sociais, mantendo a antiga dicotomia entre a formação geral e a profissional e uma educação profissional voltada para pessoas de menor condição financeira.
PALAVRAS CHAVE: Educação Profissional. Ensino Técnico. Reforma da Educação Profissional.


INTRODUÇÃO

Esse artigo apresenta uma reflexão no ambiente institucional do Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará, como um lugar propício e privilegiado a execução do ensino profissional, especialmente em nível técnico, bem como o nascedouro de uma transformação que vem afetando a instituição em suas concepções e fazeres, após as legislações dos anos 90.
O objetivo desse estudo é compreender o ensino técnico e as transformações produzidas nesse nível, pela reforma da educação profissional dos anos 90, a partir de análise documental, da legislação da Educação Profissional e referências acadêmicas na área de Educação e Trabalho, como meio de interpretar e analisar intenções e conceitos não muitas vezes manifestos. Essa investigação surge como instrumento à contextualização da instituição, objeto da pesquisa de dissertação do mestrado, que se volta para o público de alunos que executam o ensino técnico e a possibilidade de resgatar a origem, funcionamento, estrutura e conceitos que subsidiam tal nível de ensino nesta instituição específica.
Muitas analises criticas e reflexões sobre os documentos da reforma da educação já foram produzidos nos últimos quatro anos, que abordam desde as concepções, teorias e ideologias que sustentam tais documentos, apresentando limitações que dificultam a realização de suas finalidades e podem ter implicações na vida da escola, da sociedade e do indivíduo que não foram ainda consideradas pelos sistemas de ensino e seus executores.
Na América Latina o modelo das competências surge no bojo das reformas educacionais, constituindo-se enquanto referência central nas orientações da reforma em todos os níveis da educação, apesar disso, tem-se assumido concepções distintas para compreendê-lo e executa-lo nas programações curriculares. A noção de competência tem sido confundida com a noção de habilidade o que lhe dá um caráter eminentemente pragmático, provavelmente útil, à institucionalização da lógica dessa compreensão, no Estado brasileiro. O contexto da reforma educacional inclui-se num conjunto de reformas estruturais do aparelho do estado, e não está isolado desse período, na realidade, o movimento da educação no Brasil evidencia sucessivas transformações tanto em legislação, como na gestão e concepções, ao longo da história, o que nos faz olhar para os anos 90 com antecessores e posteriores.
O artigo abordará inicialmente as origens do ensino técnico e as sucessivas transformações por que foi passando desde sua implementação até o início dos anos 2000. Como funcionava, seus principais focos e os contextos sócio-econômicos que os movia, para em seguida chegar aos anos da reforma da Educação Profissional e as repercussões estruturais e conceituais para as instituições executoras, especificamente para o CEFET. Chegando as considerações finais entendendo que as propostas legais pouco avançaram e os CEFETs ainda são marcados por uma forte base tecnicista e instrumental o que acaba desfigurando e descaracterizando a história institucional e, conseqüentemente, a qualidade do ensino ministrado por eles. Principalmente influenciam nesta realidade as concepções que estão por trás dos documentos legais como as noções de competência e qualificação que tal como foram adotados pelo MEC, privilegia os atributos individuais dos trabalhadores enquanto fortalece a dimensão experimental e minimiza a dimensão das competências coletivas e sociais, além disso reproduz e reafirma uma antiga dualidade, presente na educação brasileira, entre a formação geral e a profissional, mantendo a educação profissional dirigida à pessoa de menor condição financeira, baixa escolaridade e apresentada como possibilidade de superação do desemprego.

O ENSINO TÉCNICO

O ensino técnico surge no Brasil como herdeiro do ensino de ofícios, institucionalizado a partir da lei orgânica do Ensino Industrial promulgada em 1942, embora, enquanto responsabilidade do Estado, sob o “guarda-chuva” do ensino profissional tenha sido iniciada em 1909.
O ambiente do fortalecimento e demarcação do ensino profissional é o de crescentes demandas dos processos produtivos com ampliação das atividades voltadas para os setores secundário e terciário, até a década de 30, incipientes, decorrentes da divisão social e técnica do trabalho que então era organizado e gerido de acordo com os modelos taylorista-fordista em resposta ao crescente desenvolvimento industrial que requer mão de obra qualificada.(KUENZER, 199_) As mudanças que ocorreram na indústria brasileira concorreram significativamente para que se organizasse o ensino industrial enquanto um sistema (CUNHA, 2000).
Uma dualidade está na estrutura do ensino profissional desde sua concepção e indica sempre dois caminhos bem delimitados, um a ser percorrido pelas elites, que culmina no ensino superior e outro caminho para os que se preparam para a execução do trabalho em cursos de formação profissional. Santos (2000) diz em suas análises da trajetória da educação profissional que os determinantes desta dualidade estão fora da escola, na estrutura de classes, e é por esse caminho que se deve compreender que até hoje, passando por sucessivas reformas em 1961,1971,1997, tal dualidade ainda marca o ensino profissional. Cunha (2000) nos faz observar que essa dualidade tanto deve ser considerada por esse prisma da separação entre ensino prático-profissional e cultura geral como também do alto prestígio do ensino superior e baixo prestígio da escola profissional.
O ensino técnico, de acordo com a lei orgânica do ensino industrial foi caracterizado por Cunha (2000) como um ensino de 2º grau, após ensino primário, com duração de 3 ou 4 anos, próprios à formação de profissionais ligados a industria, com currículos compostos de três partes: a) disciplinas de cultura geral b) disciplinas de cultura técnica e c) estágio. A admissão era condicionada a conclusão do 1º ciclo de ensino de qualquer ramo do 2º grau, capacidade física e aptidão mental, além de aprovação em provas seletivas. Esses alunos, após a conclusão, poderiam ingressar no ensino superior após criteriosa e rigorosa análise de sua história escolar e notas, em cursos ligados diretamente com o curso concluído, os critérios para essa análise, apesar de não serem bem delimitados, definiam que o aluno deveria provar ter cursado disciplinas de cultura geral (CUNHA, 2000).
Em 1959, houve uma alteração importante trazida pelo Decreto 3.552/59, eliminando o exame vestibular, aumentando a duração do curso e o estágio aparecendo como uma recomendação. A LDB de 1961 trouxe a completa equivalência dos cursos técnicos ao secundário, para efeito de ingresso no ensino superior, curso técnico com duração de três anos e o estágio passou a ser obrigatório (CUNHA, 2000). A legislação de 71 que regulamentou tal lei para o ensino profissional, foi considerada inovadora porque fundia os ramos do 2º ciclo de ensino médio mas, de fato, não representou um avanço propriamente transformador:
a mais ambiciosa medida de política educacional de toda a história do Brasil foi, sem dúvida, a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau. Ela representou, certamente, o maior fracasso. (CUNHA, 2000, p.181)

A partir da lei orgânica também se procurou impingir um novo funcionamento administrativo ao ensino profissional que o caracterizasse como um sistema. Criou-se a rede federal e também se previu as escolas reconhecidas e equiparadas, que eram as de iniciativa estadual e municipal, inspecionadas e orientadas pedagogicamente através de órgão competente do Ministério da Educação.
Os anos 60 e 70 foram de grande prestígio para o ensino técnico no país, principalmente o ensino ministrado pelas Escolas Técnicas. Tal era essa valorização que os alunos formados nesse período eram absorvidos quase que sem restrições pelas grandes empresas privadas ou estatais (SANTOS, 2000) o que trouxe um significativo crescimento em matrículas e estrutura dessas instituições. Esse também foi um período onde se instalaram empresas com montagem completa no Brasil, trazendo consigo tecnologia, bem como hierarquias ocupacionais inexistentes no país. A possibilidade de mobilidade social moveu a busca por cursos técnicos e cursos superiores pela classe média (MONTOYAMA, 1995), principalmente as engenharias. Por isso as Escolas Técnicas priorizaram e quase exclusivamente ofertaram cursos técnicos ficando as outras possibilidades de formação profissional com escolas estaduais e municipais.
Porém a década de 80 trouxe retração ao mercado de trabalho e com a quantidade de técnicos que estava sendo lançada a cada ano no mercado verificou-se a sua saturação. Há que se considerar as intensas transformações no cenário global, que envolvem uma “nova ordem” mundial, designando mudanças sócio-políticas e econômicas contemporâneas, principalmente intensificadas na década de 90 , trazendo impactos para a educação, a escola, a comunidade e os trabalhadores, levando-os a uma maior produtividade, competitividade e qualidade, marcas de uma economia de mercado em crescente processo de globalização.(BARONE, 2000) Nesse contexto o estágio tornou-se um passo difícil, pois até mesmo sem remuneração se tornaram escassos, e os levantamentos históricos do CEFET-PA mostram esse fato, pois no período de 1969 a 1987 , 6669 alunos concluíram seus cursos técnicos nesses 16 anos, mas somente 2326 realizaram o estágio e dessa forma tornaram-se técnicos, o que representa um percentual de 34,9% e desses, 1944 foram absorvidos pelo mercado de trabalho. (BASTOS, 1988) É a década da transição democrática com a passagem dos governos militares para um governo civil, e a entrada do governo Sarney. Com essas transformações econômicas e sociais no aparelho do Estado, um grande debate em torno de novos rumos para educação, se implementou no Brasil até meados da década de 90, principalmente tocavam nas concepções de políticas educacionais para o ensino profissional.
Situar o cenário produtivo global é útil para evidenciar o fortalecimento do indivíduo como ator central da história em relação ao coletivo, o privilégio concedido à iniciativa privada, à livre concorrência e às leis de mercado próprio desse tempo (BARONE, 2000), e a resultante solicitação de uma força de trabalho mais qualificada e apta a “aprender a aprender” novas qualificações que são forjadas. Apontando a necessidade de superar as características assimiladas do modelo taylorista/fordista pois se requer um trabalhador que vá além da simples execução de tarefas. De um lado solicita-se o exercício de funções mais cerebrais como raciocínio lógico, resolução de questões e problemas do cotidiano e de outro é delineado um novo padrão atitudinal com mais cooperação, autonomia, capacidade de comunicar-se e de identificar-se com a empresa. A educação, tanto mais a profissional, portanto, passa a ter sua agenda definida de maneira a privilegiar o suprimento das necessidades identificadas como barreiras a maior produtividade e qualidade do produto, não podendo ficar alheia aos pressupostos econômicos que alicerçam a educação.
E é assim, como uma modalidade de ensino, tratada de forma generalista pela LDB 9394/96, e regulamentada pelo decreto 2208/97 que esse ramo do ensino passa a se integrar a diferentes formas de educação e trabalho, à ciência e à tecnologia, com objetivo de atender ao aluno matriculado ou egresso do ensino básico (fundamental e médio), do nível superior, bem como os trabalhadores em geral. (SANTOS, 2000, p.221)


De acordo com essa legislação o ensino técnico passou a ser complementar ao ensino médio, seqüencial ou concomitante a ele e obrigou-se às Escolas Técnicas modificarem-se transformando seus currículos, excluindo a parte de formação geral do mesmo.
Evidentemente que a essa transformação associa-se às exigências de produção descritas, e esse contexto move os discursos e propostas, mas, além delas há que se considerar pressões do Banco Mundial e reduzidos fundos públicos para investimento em educação, ciência e tecnologia que forçam um subjugo a tais forças, distanciando assim a Escola Técnica de um espaço onde se trabalhe na perspectiva da superação dessa dualidade, ensino teórico x ensino prático, como cria ser possível Marx e Gramsci, assegurando uma formação geral sólida que permita ao homem agir no mundo produtivo de forma autônoma.

A REFORMA DO ENSINO TÉCNICO

Os novos rumos para o Ensino Técnico Profissionalizante surgem no Brasil, logo após a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) Brasileira, Lei 9394/96, seguido do decreto 2208/97, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional, consubstanciadas no Parecer CNE/CEB nº 16/99, na Resolução CNE/CEB nº 04/99 dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional, onde a concepção orientadora é o modelo das competências. Reforma que, de acordo com Souza (2002), estaria nitidamente influenciada pelas diretrizes do Banco Mundial e assegurada pelo financiamento conjunto do Ministério da Educação, Ministério do Trabalho e Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Para entender a Reforma que se buscou executar na Educação Profissional a partir da década de 90 é preciso ressaltar que os organismos internacionais (Banco Mundial/ BID/ OIT) indicavam a ineficiência do ensino técnico, seu alto custo e sua ineficácia (RAMOS, 2002), além das imposições econômicas já elencadas precisa-se atinar para o que já se constituía como problemas a serem superados: falta de sintonia com a realidade, dualismo entre ensino médio e educação profissional e orientação assistencialista e economicista da Educação Profissional (ARAUJO, 2002). 
O Parecer CNE 16/99 se propõe, então, a configurar uma Educação Profissional, que fosse além da capacidade para o fazer bem feito, e levasse o país a uma maior competitividade atendendo às necessidades do mercado, da sociedade e dos indivíduos. Podemos considerar como pontos chaves da Reforma da Educação Profissional para o Ensino Técnico:
- Desvinculação do Ensino Médio mas articulação com o mesmo – isto quer dizer que a Educação Profissional não é mais a parte diversificada do Ensino Médio e nem pode substituí-lo.
- Complementar à Educação Básica – em caráter intermitente ou concomitante.
- Caracterização da escola técnica como um Centro de referência capaz de agregar trabalhadores, empregadores e todos os envolvidos no desenvolvimento da região.
- Não definição de mínimos curriculares pelo Conselho Nacional de Educação, mas autonomia escolar para expressar e conduzir sua proposta pedagógica através do projeto pedagógico e plano do curso. Obedecendo, no entanto, diretrizes nacionais, orientações para o que constitui uma escola caracterizada como referência na área de atuação.
- Compromisso da escola com o desenvolvimento do perfil profissional de conclusão, que significa de acordo com Ramos (2002):
- Adoção da noção de competência como norteadora do currículo e referência primordial
- Contato e intercâmbio com o mundo produtivo como principal regulador do exercício profissional
- Apoio metodológico em projetos e resolução de problemas.
- Análise funcional como base para definir as 20 áreas profissionais e o perfil profissional resultante das competências listadas

O Programa de Reforma da Educação Profissional (PROEP) foi uma das ferramentas criadas pelo governo brasileiro para promover mudanças no sistema educacional apoiado na legislação já descrita. Esse conjunto de providências legais foi introduzido para consolidar a reforma do ensino secundário e profissional objetivando, principalmente, a separação formal entre educação geral e profissionalizante. (UNESCO, 2003) O principal propósito do PROEP é transformar a educação profissional para que atenda com mais eficiência e eficácia as demandas do mercado de trabalho, além de introduzir melhores condições de emprego para o momento em que o indivíduo ingresse na população economicamente ativa (PEA), além de formar e reciclar as forças de trabalho e contribuir para melhorar as taxas de produtividade para a indústria nacional e melhoria da qualidade de vida, segundo define o MEC. De acordo com a UNESCO (2003), o PROEP está investindo 15 milhões de dólares oriundos de financiamento externo junto ao BID (50%) e do Ministério da Educação e do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador (50%). Este programa já se encontra em fase de conclusão.
A política educacional do MEC para Educação Profissional tem como objetivo promover a transição entre escola e mundo do trabalho capacitando jovens e adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades produtivas e assim colaborar para o desenvolvimento social sustentável (DELUIZ, 2001) ao que Oliveira (2000) analisa como um retrocesso no campo da formação profissional e que de fato mascara a democratização do acesso. A Educação Profissional foi estruturada em três níveis: Básico, Técnico e Tecnológico com uma evidente desarticulação com o Ensino Médio, o que comprometeu a função social das escolas federais que deixam de trabalhar a educação no sentido da cidadania e assumem o treinamento fragmentado que atende as necessidades estreitas do capital (DELUIZ, 2000).
Cordão (2002) corrobora a afirmação do discurso oficial, que o compromisso atual da escola de ensino técnico é com o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e o desenvolvimento de competências profissionais, da maneira como é traduzida no art. 6º da Resolução nº 04/99 – como capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação conhecimentos, habilidades e valores necessários para responder de maneira nova e criativa aos desafios de sua vida profissional-, não havendo sentido a existência de tais instituições se não se caracterizarem como um Centro de referência técnica e tecnológica na área em que atuam em sua região. Conclui, que os compromissos centrais de qualquer escola são o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de competências para a cidadania e para o trabalho. Ponto que parece merecer uma investigação mais consistente frente a tantas incoerências que a vida cotidiana das escolas tem demonstrado mediante um discurso oficial que não deixa de falar em preparar para cidadania, através de escolaridade básica sólida associada a educação profissional ampla e polivalente (Parecer 16/99).

A noção que referencia a Educação Profissional nos documentos legais, apresentada como opção emancipadora, é a de competência, que se apóia sobre as seguintes bases: a) reordenar a relação trabalho/educação tirando o foco das tarefas, dos empregos e colocando sobre o indivíduo e b) institucionalizar novas formas de educar, de formar o trabalhador inserindo novos pressupostos, de acordo com Ramos (2002). Para entender a repercussão deste conceito nos procedimentos educacionais e vida produtiva, a autora recorre ao conceito de qualificação que deve ser compreendido como uma relação social complexa que envolve operações técnicas, valor social e implicações econômico-políticas.
Schwartz (apud RAMOS, 2002) propõe três dimensões para a qualificação: a) conceitual – relacionada a saberes conceituais, diplomas e títulos, b) social – aspecto que relaciona conteúdos das atividades e classificações hierárquicas e c) experimental – que se relaciona com o conteúdo real do trabalho em que se inscrevem não apenas conceitos mas um conjunto de saberes relativos a realização do trabalho. Quer dizer, a qualificação não é o produto de um curso, não é um título que se obtém ao final de cada formação. Machado (1996) trabalha com a idéia que o indivíduo qualificado não é produto simplesmente de uma ação educativa, é fruto de complexas e diferenciadas relações sociais que estabelece no âmbito da família, mundo produtivo, trânsito, e demais relações, não está ligado nem ao menos a quantidade de cursos, portanto a noção de qualificação bem como a de competência tem sido trabalhada pelos autores de maneira muito mais ampla e diferenciada daquela apontada pelos documentos da reforma, especialmente o Parecer 16/99.
Compreender a noção de qualificação, não explicitada mas implicada nos documentos legais é importante para entender a perspectiva do conceito de competência adotado pelo MEC que privilegia os atributos individuais dos trabalhadores enquanto fortalece a dimensão experimental e minimiza a dimensão das competências coletivas e sociais, traduzindo-se em políticas educacionais que resultam em solidificação da vida societal com bases que buscam assegurar a hegemonia econômica e cultural das classes dominantes (DELUIZ, 2001) e (RAMOS, 2002). As Diretrizes da Educação Profissional do Ensino Técnico, evidenciam um determinismo tecnológico, e desconsideram outros elementos que atuam nas relações dinâmicas de trabalho como cultura, tradições, prestigio social, disputas internas a uma categoria entre outras, o que contribui para despolitizar as relações sociais deste trabalhador/cidadão, aspectos destacados por Oliveira (2000), Deluiz (2001) e Araujo (2002) como crítica ao projeto da Educação Profissional, traduzido nessas Diretrizes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Desarticulação entre educação geral e profissional, carga horária reduzida dos cursos, pouca quantidade de aulas práticas, pouca articulação teoria/prática, ênfase nos conteúdos mínimos específicos passaram a caracterizar os programas educacionais das instituições executoras da Educação Profissional, o que revela que pouco avançaram e ainda são marcadas por uma forte base tecnicista e instrumental, difícil de ser superada com imposição legal. São conclusões do estudo de Monteiro Oliveira (2003) num CEFET-X, evidenciando uma realidade nada distante dos demais quando conclui que as determinações da Reforma do Ensino Profissional estão desfigurando e descaracterizando a história institucional e, conseqüentemente, a qualidade do ensino ministrado por eles, sendo as principais conseqüências apontadas pelo sindicato, coordenadores de curso e conselho de ensino, mas escamoteadas pela Direção Geral e SEMTEC/MEC:

(...) sucateamento e fragilização do Ensino Técnico e da educação tecnológica, direção exclusiva para interesses pontuais do mercado de trabalho e conseqüente preterização da formação do cidadão-trabalhador, desvalorização do professor e extinção da carreira docente, formação profissional voltada para o “saber fazer” e para o “saber ser”, em detrimento da qualificação, baseada no conhecimento técnico-científico; aumento significativo da evasão escolar, do trancamento de matrícula e da repetência (...).(MONTEIRO OLIVEIRA, 2003, p. 13)

Com essa concepção limitada da noção de competência adotada pelos documentos que sustentam a Educação Profissional acrescida aos encaminhamentos político-educacionais e das políticas públicas nos últimos três anos o que se observa é que as práticas escolares desnudam os discursos oficiais e evidenciam a formação de indivíduos com saberes limitados a instrumentalidade ou formulações espontâneas, e a transformação da realidade objetiva requer um olhar e uma atuação que extrapolem a superfície e avancem sobre as formas aparentes dos fenômenos, função científica, pois não é porque a atividade profissional tem uma natureza prática que deva haver proeminência da ação sobre os conceitos. Concordando com Ramos (2002) bom seria elaborar um programa de educação profissional que tivesse como referência a totalidade do processo de trabalho e como horizonte da formação as intervenções que o trabalhador competente possa realizar sobre ele e sobre as relações sociais de produção. Pois que finalmente a reforma reproduziu e reafirmou uma antiga dualidade, presente na educação brasileira, entre a formação geral e a profissional, apesar de seus documentos não afirmarem isso continuamos com uma educação profissional que se dirige à pessoa de menor condição financeira, baixa escolaridade e ainda se apresenta como possibilidade de superar o desemprego.
Encara-la somente em seus pontos negativos e encerrar nossa análise aí não seria justo e nem mesmo refletiria o atual momento nacional quanto a Educação Profissional que fervilha em diferenciadas avaliações e experiências. Foi esse o foco do Seminário Nacional de Educação Profissional: Concepções, Experiências, Problemas e Propostas, realizado em setembro de 2003, em Brasília, pelo Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Média e Tecnológica e do Programa de Expansão da Educação Profissional que tinha como objetivo debater o papel da Educação Profissional frente ao novo projeto de desenvolvimento do governo Federal, comprometido com a distribuição de renda e a justiça social. Foi um dos mais representativos eventos da Educação Profissional do país, realizando uma ampla discussão avaliativa como o tema bem esclarece, elaborando considerações finais que apontam que o momento exige uma re-estruturação do ensino profissional onde se encaminhe a organização de um sistema nacional que leve em conta os diferenciados agentes que executam a Educação Profissional e suas particularidades, que se estabeleça novas formas de controle, acompanhamento e coordenação sujeitos ao Ministério da Educação como instância máxima da educação, e além disso colocam em evidência três grandes questões que versam sobre: a elevação da escolaridade como base para educação profissional, urgência de uma política de formação de profissionais da Educação Profissional e finalmente a necessidade de rever o decreto 2208/97 e seus instrumentos legais (BRASIL, 2003). Se o momento é de debater o papel da Educação Profissional frente a um novo programa de desenvolvimento do governo federal, o ensino técnico e os demais níveis estão postos na mesa, será útil que o desvelemos, para que transformações relevantes venham e ao mesmo tempo possamos assegurar a continuidade, muitas vezes negligenciada, gerando quebras sucessivas que não colaboram para construção e consolidação de um projeto Educação Profissional articulado com a educação integral e a cidadania do jovem/adulto trabalhador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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